sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Fissura por Crack - Uma Mistura de "Insanidade" e "Compulsão"


Definida como um forte impulso para utilizar uma substância, a fissura é considerada fator crítico para o desenvolvimento do uso compulsivo e dependência de drogas e para recaídas após período de abstinência.
O padrão de consumo intenso, contínuo e repetitivo de crack, chamado de binge, é provocado pela fissura e pode durar dias até que o suprimento de droga termine, ou que haja a exaustão do usuário.
Esses ciclos intermitentes de doses repetidas de crack, seguidos de parada abrupta em seu consumo, estão associados a sinais e sintomas da retirada, caracterizados por mal-estar físico e psicológico.
A urgência pelo crack e a falta de condições financeiras para suprir sua demanda colocam o usuário em situação de fragilidade, em que se submete a estratégias arriscadas para obtenção da droga, como situações de risco (tráfico de drogas, sexo sem proteção) e de violência (assaltos, brigas).

No momento o governo brasileiro está mobilizado para a discussão a respeito do uso do crack, por meio do "Plano integrado de enfrentamento ao crack e outras drogas" (Decreto 7.179, de 20/05/10).ª Entre as ações previstas pelo plano, enfatiza-se: "disseminar informações qualificadas relativas ao crack e outras drogas", em resposta aos alertas da comunidade científica, ressaltando a necessidade de estudos detalhados da população usuária de crack no Brasil.14
Diante desse cenário, e considerando o papel determinante da fissura no desenvolvimento do padrão compulsivo de uso e dependência de crack e nos possíveis problemas que podem advir desse comportamento, a compreensão desse fenômeno, do ponto de vista do usuário, constitui uma contribuição importante para o seu gerenciamento.
O objetivo deste trabalho foi compreender a fissura pelo usuário de crack, descrevendo os comportamentos desenvolvidos sob fissura e estratégias utilizadas para seu controle.
Foram entrevistados 20 homens e 20 mulheres, dos quais quatro homens e cinco mulheres foram classificados como ex-usuários. A idade variou entre 18 e 50 anos. Grande parte possuía baixa condição socioeconômica. Houve variação desde analfabetos até indivíduos com nível superior, o que foge das características dos usuários de crack encontradas em outras pesquisas com método similar, em que os usuários possuíam baixa escolaridade.12,14 Metade possuía alguma ocupação (formal ou informal) como fonte de renda, o que destoa da dificuldade dos usuários na manutenção de empregos relatada pela literatura.12,14
Todos os entrevistados afirmaram ter sentido fissura por crack e atribuíram à fissura papel fundamental na manutenção da dependência, por ser responsável por não conseguirem ou dificultar o abandono da droga. Isso justificaria o típico perfil compulsivo do usuário de crack descrito por estudos culturais ao longo das duas últimas décadas.12,14
Sempre definida como uma sensação negativa, os entrevistados afirmaram que a fissura é a vontade de usar crack em três situações:
1. Quando se depara com algum sentimento ou com algo que o faça se lembrar do crack, as chamadas pistas internas e externas, geralmente relacionadas com a antecipação de um reforço positivo e/ou o alívio de um estado negativo:
Pistas internas: "Eu parei [de fumar crack], só que aí quando começava (sic) as brigas em casa, eu ia e fumava." (M25FU6)
Pistas externas: "Às vezes eu pegava aquele dinheiro, eu falava: 'Agora eu vou no restaurante. Vou comer'. Aí eu passava de frente à bocada, o pessoal me chamava e pronto. Aí eu comprava [crack]. Ali mesmo eu ficava." (A21FU9)
2. Após a retirada do crack, quando o indivíduo quer obter o prazer mais uma vez ou, pelo menos, não quer mais sentir o desconforto de ficar sem o crack:
"A fissura, ela vem quando você perde aquela sensação de prazer que estava sentindo, tipo, você fumou, você está sentindo um puta (sic) prazer, está um puta (sic) negócio legal, gostoso. Do nada, ela pára. (...) você quer sempre aquele prazer de novo." (G31ME13)
3. Na vigência do uso de crack, a fissura como um de seus efeitos. Esse tipo de fissura parece ter forte relação com os binges de consumo de crack:
"Não existe uma [pedra] só. (...) você nem terminou a primeira [pedra], você já está pensando como você vai fazer para pegar a segunda." (F33MU18)
Nesses episódios, é comum os usuários passarem dias consumindo apenas crack, álcool e cigarro. O fim dessa jornada é determinado pelo esgotamento físico, psíquico ou financeiro do usuário.
Essa relação entre binge e fissura induzida pela droga também foi observada por Bruehl et al4 (2006) com usuários de ice (metanfetamina fumada). Conhecida como o "crack dos ricos", essa é uma droga sintética que pode ser utilizada pela mesma via do crack e cujos usuários desenvolvem comportamentos obsessivos semelhantes, porém com custo superior ao do crack.

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